Claro, Alex é uma vítima e um perpetrador. Ela comete crimes grandes e pequenos, alguns do filme e alguns recém-inventados. Vale mencionar aqui que os homens são a grande maioria dos perseguidores (87%) e as mulheres são a grande maioria das vítimas (78%). O FBI também relata que os homens cometem crimes violentos em taxas muito mais altas, perfazendo 74% dos perpetradores.
Trago esses números para destacar o quão incomum é um conto como “Atração Fatal”. Não há nada de errado em o cinema e a TV focarem no extraordinário – os contadores de histórias podem e devem ir até lá. Mas há algo de errado em programas e filmes que normalizam esses valores discrepantes, criando uma versão hospício da realidade e fingindo que todos vivemos lá.
“Atração Fatal”, tanto o filme quanto esta nova iteração, caem nessa armadilha, essencialmente argumentando que qualquer um (ou qualquer homem) pode enfrentar as consequências que Gallagher faz por trapacear. Estamos todos familiarizados com o tropo da mulher histérica, e Alex é um exemplo poderoso. Quando comparada com Beth no filme, parece que as mulheres são em grande parte úteros irracionais, esperando para serem amadas ou rejeitadas, transformadas em mães/esposas realizadas ou enlouquecidas pelo desejo desse papel. Neste universo, amantes como Alex merecer ser morto – é a coisa lógica a fazer, a resposta correta. Alex é assassinado e, embora grande parte dessa “Atração Fatal” gire em torno de quem realmente fez isso, o interesse genuíno do programa é estabelecer mais e mais justificativas para o assassinato dela. E isso é grotesco. Foi em 1987 e é hoje.
Alguns podem argumentar que esse show nos dá mais algumas personagens femininas, mostrando algumas possibilidades femininas fora do triângulo amoroso. Isso é verdade, mas não é muito; vemos apenas vislumbres de outras mulheres. E o conflito central continua sendo esposa ou amante, casada e deitada ou transada e rejeitada. Também é verdade que Gallagher enfrenta consequências por suas ações desta vez. Mas as mulheres de “Atração Fatal” existem apenas em relação ao homem; um merece ser morto por ela tentar reivindicá-lo.
E o show adiciona uma camada extra a esse absurdo na filha dos Gallaghers (Alyssa Jirrels). Ela era uma criança quando o caso ocorreu, mas é uma estudante de graduação em psicologia na linha do tempo atual do programa. Como tal, nós a ouvimos explicar uma teoria dos tipos femininos, argumentando que mulheres como Alex não são raras. Como se existissem todos os tipos de mulheres perturbadas por aí, dispostas e capazes de cometer violência extrema – o tipo que homens inocentes só podem enfrentar com força letal se quiserem manter a ordem social. Mas isso é perigosamente falso, pois ajuda a normalizar a violência contra as mulheres no mundo real, onde as estatísticas mostram um padrão muito diferente da configuração de “Atração Fatal”.
Esta série perpetua um mito prejudicial e que não precisa de uma releitura de prestígio de oito partes e uma hora de duração. Não importa quão forte seja o elenco, quão convincente seja o enredo e quão cobiçado o IP original, “Atração Fatal” continua divertido o suficiente, mas podre em sua essência.
A série inteira foi exibida para revisão. “Atração Fatal” estreia no Paramount+ no domingo, 30 de abril.
Fonte: www.rogerebert.com