Você poderia ver como “Scrapper”, e todos esses detalhes, poderiam ser interpretados para uma tragédia ou até mesmo para um melodrama. Mas a escritora/diretora Charlotte Regan estabelece um tom e clima fluidos e flexíveis, dando-lhe enorme liberdade com o material. A fluidez permite capricho, pathos, ternura, humor e até meta-asides, onde os vizinhos se voltam para a câmera e comentam a ação, funcionando como um coro grego crítico.
Você sabe que Georgie não pode continuar assim para sempre. Eventualmente, o “estado” irá alcançá-la. Sua melhor amiga, Ali (Alin Uzun), é sua parceira no crime e confidente. Eles roubam bicicletas juntos; eles monitoram a procissão de Georgie durante os “estágios do luto”. Ali pergunta: “Em que palco você está agora?” Ali sabe tudo sobre ela.
Quando Jason aparece, tudo muda. Georgie não está feliz em ver Jason. Ele deixou ela e a mãe dela, não foi? Mas Ali gosta de Jason. E por que ele não faria isso? Jason também é um garoto crescido. Parece que seu senso de moda parou com o advento de Slim Shady por volta de 2000. Onde Jason esteve todo esse tempo? Não está claro. Seu senso de responsabilidade para com Georgie é vago, mas ele sabe que sente isso. Georgie, porém, parece tão bem sozinha, tão capaz, tão criativo … o que ela precisa dele? Ele tenta ser útil. Não é “apropriado” um pai aconselhar seu filho a raspar os números de série de uma bicicleta roubada antes de pintá-la novamente, mas faz sentido (e é engraçado). A mãe de Georgie ensinou-a a cuidar da casa, fazer listas e ser organizada. Assim que conhecemos Jason, percebemos o quão perto a maçã caída está da árvore.
Embora as comparações com “Aftersun” pareçam (e sejam) inevitáveis, os filmes não têm muito em comum, exceto a raridade de destacar a relação pai-filha. “Scrapper” remonta aos filmes molecas dos anos 1970 e início dos anos 80 (escrevi sobre a Era de Ouro dos filmes moleques para Filme Como), filmes como “The Bad News Bears”, “Paper Moon”, “Candleshoe”, filmes estrelados por garotinhas duronas como Jodie Foster, Tatum O’Neal, Linda Manz e Kristy McNichol. Filmes onde meninas, abandonadas pelas figuras parentais e pelo mundo adulto em geral, manobram com sua inteligência através de um mundo complicado e indiferente. Meninas com mentalidade criminosa. “Paper Moon” de Peter Bogdanovich pode ser a conexão mais próxima com “Scrapper”, embora o tom seja totalmente diferente. Em ambos, um pai caloteiro retorna à casa ao ouvir sobre a morte da mulher que abandonou, apenas para ser confrontado por uma menina pequena, briguenta e carrancuda, que não é a criança dócil e submissa que ele esperava. O pai é um vigarista/trapaceiro e a filha também. O que poderia dar errado?
Fonte: www.rogerebert.com